Costa Amalfitana, na Itália: de ônibus por Positano, Sorrento e Amalfi

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Fotos: Nathalia Molina @ComoViaja

Eu tinha 23 anos quando assisti ao filme Só Você (Only You), em 1994, e pirei naquela cidade italiana com casinhas apinhadas nas montanhas, como se fossem despencar sobre o mar azul: Positano. Pensei ‘Se um dia eu amar alguém, quero ir com ele para esse lugar’. Quase 15 anos se passaram para que isso ocorresse – eu amasse alguém assim e tivesse a chance de viver isso na Costa Amalfitana, no sul da Itália. Depois de passar uma semana entre Roma e Nápoles, a ansiedade tomou conta. Afinal, eram 15 anos de espera. Positano lá estava eu a caminho.

A imagem que se tem de uma viagem pela Costa Amalfitana geralmente inclui um carro conversível, sonho para uma escapada romântica num cenário absurdamente bonito. No meu caso, essa ideia continua onde sempre esteve, no meu imaginário. Em frente à estação de trem em Sorrento, peguei o ônibus até Positano. Nenhum drama nisso. Turistas bem mais velhos, em geral americanos e ingleses, optam por esse meio de transporte nessa região italiana, a Campania. É preciso estar ciente de que há momentos de perrengue sim. Ônibus é ônibus mesmo num lugar lindo daqueles. Ele pode atrasar e parar no ponto já lotado. Mas há compensações.

Do alto do banco, empoleirado sobre os penhascos, a vista é belíssima para quem se senta numa janela à direita dentro do ônibus. E, melhor, não se tem a menor preocupação em dirigir na estrada que se enrosca pelas rochas, formando ângulos superagudos. As curvas são tão fechadas que há espelhos em algumas para que o motorista consiga ver se vem carro no sentido oposto. Lá se entende o real valor de uma buzina num veículo, item tão banalizado nas grandes cidades toda vez em que o sinal de trânsito mal ficou verde.

Outra vantagem: o dinheiro gasto com o transporte. Além do valor do aluguel de carro, o estacionamento em Positano custa em torno de 5 euros por hora. O Unico Campania, consórcio de empresas de ônibus, oferece diversos tipos de bilhetes. Válido por 3 dias, o Unico Costiera sai por 18 euros. O site do Unico mostra os pontos de venda, vários por toda a Costa Amalfitana – comprei minha passagem numa banca de jornal instalada numa vendinha. A rota de Sorrento a Amalfi, passando por Positano, é feita pela Sita. Na página da empresa na internet, há quadros com os horários das linhas.

Apenas 15 quilômetros separam Sorrento de Positano. No verão, a Mètro del Mare liga as principais cidades da Costa Amalfitana pelo mar. Cheguei a cogitar esse meio de transporte, mas preferi chegar pelo alto. Recomendo, para ver o azul intenso do mar estourando nas rochas. O único inconveniente foi ter de ouvir a americana do banco de trás suspirar e falar ‘Oh, look those waves!’ a cada curva. Nada que um iPod não resolva, mas eu tenho a estranha mania de me conectar com lugares e pessoas sem subterfúgios eletrônicos.

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Via Pasitea

Mais um contorno na estrada sinuosa, e a próxima parada já era em Positano. Tentei perguntar ao motorista se o ponto ficava perto da Via Pasitea. Ele respondeu que não sabia. Das duas, uma: ou era um signore desinformado ou debochado. Depois de fazer check-in num hotel nesta rua e caminhar pela cidade, apostei na segunda possibilidade. A Via Pasitea percorre Positano morro abaixo. Como uma serpente, passa por hotéis e restaurantes, fazendo um zigue-zague até a parte restrita a pedestres no vilarejo, de frente para a praia. A maneira mais rápida de se deslocar em Positano é usar as escadarias íngremes que cortam esse zigue-zague.Há muitas delas. Por isso, é bom usar calçados confortáveis – mulheres, esqueçam o salto, vestidinho com sandália é uma ótima combinação para desfilar por lá. Quando se cansar do sobe-e-desce, uma alternativa para circular é tomar o ônibus que roda dentro da cidade, fazendo o trajeto montanha acima e depois retornando ao centrinho na parte baixa.

Esse ônibus passava em frente ao hotel onde fiquei, o Pasitea, na famosa rua de mesmo nome. Não, não era o do filme Só Você. O que aparece na história romântica de Hollywood é o luxuoso Le Sirenuse, integrante da requintada associação The Leading Hotels of the World. Eu me hospedei num Best Western, bem mais modesto, só que bom e com o que interessava: uma varanda de frente para o azul. (Peça para ficar nos andares mais altos; os inferiores ficam muito próximos da rua, não dá para ter a sensação de estar acima das casinhas e do mar.) O café da manhã sempre terminava docemente com uma sfogliatela, saída quentinha da estufa. A delícia foi inventada há 400 anos no Convento de Santa Rosa, na pequenina vila de Conca dei Marini, ali na Costa Amalfitana. Eu já havia provado o doce folheado com recheio de ricota e frutas cristalizadas na Di Cunto, confeitaria tradicional da Mooca, em São Paulo. Mas confesso que gostei mais da versão original italiana, com menos frutinhas.

Como em toda a Itália, comer é parte importante do programa. Almoços e jantares em varandas de frente para aquele azul cobalto são memoráveis. De preferência, tomando vinho para acompanhar as massas com frutos do mar, como um spaghetti alle vongole. Numa agradável casinha vermelha, o Ristorante Saraceno D’Oro não oferece vista. Visual bonito se vê nos pratos caprichosamente preparados. Comi uma massa com abobrinha e camarão deliciosa. O toque final da refeição vem no cálice de limoncello, o licor típico.

O sfusato amalfitano, um limão amarelo, extrapola o métier gastronômico e vira lembrança de viagem. Há de garrafinhas com o licor a imãs com a fruta estampada. Souvenir característico também são as cerâmicas coloridas, vendidas nos vários ateliês, em formato de vasos, peças de louça e quadrinhos reproduzindo a paisagem local. Neles, entre os desenhos, a cena clássica da enseada com as casinhas brancas no morro e a onipresente Chiesa Santa Maria Assunta, a igreja de cúpula dourada vista a partir dos mais variados pontos do vilarejo. Com origem no século 10 e reformada no século 18, está localizada na parte da cidade em que é proibida a circulação de veículos, em frente à Spiaggia Grande. Com pedrinhas em vez de areia fofa, a principal praia de Positano tem 300 badalados metros. Para um dia de praia mais tranquilo, siga para a direita em direção a Fornillo. Ali, todo ano, o último sábado de setembro, a Festa del Pesce encerra o verão na Costa Amalfitana, com pratos e mais pratos feitos com peixe, como o nome já faz supor.

No meio da costa

A Costa Amalfitana se estende por 36 quilômetros de Positano a Vietri sul Mare, na província de Salerno, na região da Campania. Mas é comum ouvir que começa em Sorrento e vai até Salerno, em 55 quilômetros. Não está errado. Oficialmente Sorrento pertence à província de Nápoles, mas é lá geralmente o ponto de partida para as belezas amalfitanas. O trajeto pode terminar em Salerno, já que Vietri fica a menos de 5 quilômetros dali. Decidir onde se instalar e que cidades visitar é parte fundamental do roteiro de ônibus pela costa. Você mesmo tem de pegar sua bagagem embaixo do ônibus quando desembarca, então, não convém ficar trocando de cidade para se hospedar (especialmente em viagens de até uma semana) tampouco levar malas grandes e pesadas – uma mochila bem estruturada é bem mais confortável e prática.

Amalfi está localizada bem no meio desse trecho do litoral italiano. Então, se a ideia for explorar tudo entre Positano e Vietri, procure hospedagem por lá. No meu caso, não tinha negociação, eu queria ficar em Positano para caminhar pelas vielas e me deliciar com as vistas roubadas do mar no vai-e-vem das escadarias. Meu foco também era ver Positano e Amalfi e dar uma passadinha por Capri, então dormir em uma das cidades na costa bastava. Visitei Amalfi de ônibus (mas é possível ir pelo mar durante o verão) e Capri de barco (com saída pela manhã e retorno no fim do dia).

Passeios marítimos levam a várias grutas nessa região da Itália. Entre Positano e Amalfi fica a Grotta dello Smeraldo no povoado de pescadores Conca dei Marini. É possível vê-la em tours pelo mar a partir de Amalfi ou tomando o ônibus da Sitabus até a parada na rodovia acima da gruta, próxima à escadaria. O nome da Smeraldo vem da cor da água, de tonalidade parecida à da pedra. Já a costa foi batizada com base em Amalfi, sua mais importante cidade historicamente. Entre os séculos 10 e 12, disputava o controle do comércio no Mediterrâneo. O porto segue movimentado hoje em dia pelo turismo. Por lá se vê uma concentração dos barquinhos que pontilham o mar no litoral sul italiano. O ponto final de várias linhas da Sitabus fica ali perto, um pouco antes da entrada da cidade.

De cara, o que se vê é uma charmosa praça com o impotente Duomo di Sant’Andrea num dos lados. Uma grande escada leva à catedral dedicada a Santo André, de colorida fachada em arabesco. A igreja integra um conjunto de construções aberto à visitação. Vale dar um tempo na viagem praiana para ver o Chiostro del Paradiso, claustro com 120 colunas de mármore, a Basilica del Crocifisso, erguida no século 9, e a cripta de Santo André, do século 13. Para digerir tanta cultura, prove um buon gelato numa das sorveterias no entorno da praça ou almoce num dos restaurantes com varanda ou mesinhas ao ar livre.

Sempre em 27 de junho, Amalfi celebra Santo André, padroeiro da cidade e protetor dos pescadores, com procissão e fogos na Festa di Sant’Andrea. Até 31 de outubro, a movimentação se dá em outro ponto, mais acima, em Ravello (há ônibus saindo de Amalfi para lá). Criado em 1953 — inspirado em Richard Wagner, que ali compôs no século 19 parte da ópera Parsifal –, o Festival de Ravello apresenta música, dança e cinema, em sessões no Auditório Oscar Niemeyer, projetado pelo arquiteto brasileiro e inaugurado no ano passado, e em dois pontos tradicionais da bela cidade, a Villa Cimbrone e a Villa Rufolo, mansões com mirantes de visual impressionante e lindos jardins.

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Clima e preços

O florescer e o aroma das flores dão início à temporada turística na Costa Amalfitana, geralmente depois da Páscoa. Bares e restaurantes abrem renovados para receber os turistas até o término do verão, no fim de setembro. Fora desse período, muitos estabelecimentos fecham. Em maio e junho, os preços são mais baixos do que durante o período de alta, em julho e agosto. O movimento cai um pouco em setembro, quando os dias ainda são quentes e dá para aproveitar as cidades sem tanta gente como no meio do ano.

Tudo isso eu tinha lido antes da viagem. Ninguém quer ir à Costa Amalfitana no inverno quando as máximas não passam dos 20 graus. Entretanto, como o clima no mundo anda doido, não há garantias de tempo bom nem no mês mais indicado, em todos os guias, para a visita: maio. No fim, minha viagem de sonho ganhou um toque de realidade. Embora não seja freqüente nessa época, pegamos chuva em alguns dias. Se eu preferia sol? Claro, mas às vezes viajar inclui a nobre arte de saber se adaptar à situação apresentada. Foi um ano atípico, disseram. Então, aproveitei do jeito possível. A companhia e o vinho também fugiam do comum, e Positano é linda mesmo com as gotas escorrendo pelo vidro da porta da varanda ou debaixo do ombrellone emprestado pelo hotel.

Na próxima vez, além do tempo bom, tenho outro pedido para o gênio da lâmpada: um motorista particular. Foi legal a aventura, mas agora quero mordomia. Para quem pretende o mesmo que eu sem ter de dirigir, os hotéis marcam traslados a partir de Roma ou Nápoles. Muitas vezes o trajeto é feito de Mercedes, que luxo.

De qualquer forma, é bom saber, seja qual for o meio de transporte terrestre escolhido, o trânsito é grande nos fins de semana do verão e durante o mês de agosto, períodos de maior movimento na Costa Amalfitana. Se for esse o caso, ainda me resta o terceiro e derradeiro desejo para dizer ao gênio. Bem, acostumada a ver a Marginal Tietê pela janela, ficar parada diante do mar e daqueles paredões escarpados não parece tão mal. Melhor não desperdiçar pedido então, vai que o primeiro não pega e resolve chover.


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Com este texto ganhei o prêmio da Comissão Europeia de Turismo, na categoria Melhor Reportagem na Internet

 

13 respostas

  1. Adorei ,porque fiz essa viagem a uns 10 a 15 anos adorei e recordei .Maravilhoso,Agora farei a viagem até a Cicilia.

  2. Achei engraçado porque nós duas tivemos o mesmo pensamento ao ver o filme, se bem que não é nada dificil para as mulheres este tipo de pensamento romantico…rs, não mesmo? O fato é que eu agora aos 50 anos fui convidada para conhecer a Italia começando pela Costa Amalfitana, em companhia do meu amor que é Italiano e mora na região da Campania. Ele conhece bem a região, mas só pra garantir, vou levar suas dicas porque gosto de ter um certo controle, principalmente porque os homens tendem a ser muito praticos e eu nao quero perder nada..rs. Parabéns pela materia riquissima , você merece mesmo o premio…Um abraço. Sucesso!!! Nem preciso dizer que vou acompanhar seu blog..rs

    1. Fiquei contente em ler a sua historia. Ele eh italiano e da regiao? Eu vou querer dicas tuas depois!
      Volte sempre por aqui, e me escreve contando como foi a viagem. Que voce aproveite muito e que seja tao bom quanto for possivel!
      (desculpa a falta de acentos, mas este teclado no exterior nao colabora…)

  3. Matei saudades lendo o seu texto, Nathalia! A Costa é um lugar indescritível! Felizmente, tive oportunidade de conhecê-la e desfrutar de bons momentos.
    Ótimo texto!
    Cláudia Guanais

    1. Obrigada, Claúdia! Que bacana que reviveu a viagem por aqui. Se quiser, mande suas dicas para comoviaja@gmail.com com uma foto tua na Costa Amalfitana que eu publico no blog.
      Passe mais vezes por aqui ou acompanhe os textos pelo facebook e pelo twitter. Nos dois casos, você me encontra por ComoViaja.
      Beijo!

  4. Nossa! Que maravilha!!! Adorei as dicas. Essa viagem também é meu sonho… que espero realizar daqui a alguns anos. Já tenho o ser amado, a companhia ideal para uma viagem como essa!!! Agora é só esperar o filho mais novo crescer um pouco para tirarmos a tão esperada “lua de mel” que nunca tivemos. Não seria o cenário perfeito?

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