Uma urbanoide golpeada pelas Montanhas Rochosas, no Canadá

As Montanhas Rochosas, no Canadá, me emocionaram. Jasper reúne lagos lindos, passeios de barco e hotéis dentro do parque nacional. Dá para chegar até essa região a bordo do trem The Canadian, da VIA Rail, ou de carro

Eu sabia que iria voltar. Eu tinha de voltar. Como seria aquela cidade no alto das montanhas do Canadá? E o parque no meio das Rochosas? Lá estava eu para descobrir.

A subida até Jasper foi de ônibus, novamente a partir de Edmonton, como da primeira vez, de trem. A rodovia fez da trajetória praticamente uma reta sem sobressaltos, algo não necessariamente bom. Tudo bem, eu estava ali para ver o que tinha no alto da montanha. Não esperava mesmo grandes surpresas durante o caminho. Lagos e picos nevados me aguardavam. Melhor relaxar.

EMOÇÃO DIANTE DAS MONTANHAS ROCHOSAS NO CANADÁ – Fotos: Nathalia Molina @ComoViaja

Até que a memória tocou o sinal de ‘olha aí!’. O café, as lojinhas, a estação. Três anos depois a lembrança saltou, bem viva. Era Jasper de novo. As cenas atravessavam a janela, enquanto o ônibus seguia em frente. Não imaginei que fosse me emocionar como na primeira vez. O sabor da novidade não existia mais. As montanhas eram as mesmas. Num outro ângulo, no entanto, as mesmas.

A CHARMOSA CIDADE DE JASPER

Estava enganada. Aquela euforia de menina me levou a ziguezaguear pelo corredor do ônibus. Uma ponta de vergonha quase me censurou ao me ver pular de poltrona em poltrona. Sem chance de me conter. Montanhas em sequência, de várias tonalidades, surgiam. Ora plantadas sobre o solo verde, ora refletidas em imensos espelhos d’água. O ônibus cortava o Parque Nacional de Jasper.



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Hospedada num lodge no Parque Nacional de Jasper

E era dentro dele que eu iria dormir. No mato. Nada mal para uma urbanoide feito eu. Nunca gostei de camping, nem quando era adolescente. A estrutura pífia e o desconforto dos acampamentos onde estive no Brasil me pegaram pelo braço e me conduziram até o lado dos frescos. Como me sentiria agora cercada de verde no Canadá, sozinha num chalé?

Por fora, a casinha de madeira do Tekarra Lodge era uma graça, de teto triangular feito desenho de criança. Uns degraus, a varandinha, a porta. Ao entrar, um ambiente com sala, lareira, cama e, no canto à esquerda, cozinha. Daquelas de quitinete, com bancada, pia e frigobar. Ao lado, uma pequena mesa e duas cadeiras. A porta à esquerda dava acesso ao banheiro. Tinha uma pia e banheira no chuveiro.

Era surpreendentemente bom, como todo o chalé. Lembrava um quarto de hotel. Não fosse pela decoração bem rústica, pelo movimento da vizinhança de famílias canadenses e pelas janelinhas com cortina de renda que deixavam o amanhecer entrar. Aquele que me avisou que era hora de ver a vida.

Uma fresta de sol varava a delicada cortina de renda. O silêncio absoluto não denunciava, mas já havia amanhecido. Me levantei para espiar o tempo pela janelinha. Parecia frio. Ainda não havia chegado o outono, setembro estava só no início, mas o ar era fresco e úmido. Árvores e o lago perto do chalé aumentavam a friagem. Lá fora.

RECEPÇÃO DO LODGE

Dentro da casinha de madeira, o mundo permanecia quentinho. ‘Bem, vamos nessa!’, pensei num estalo de coragem. Meia, bota, manga comprida, cachecol, casaco. Tudo para enfrentar a friaca e continuar me pasmando. Tinha sido assim desde a primeira vez em que havia estado nas Rochosas, três anos antes. Desde aquela imagem que havia me golpeado com a força das montanhas.

Nasci e cresci no Rio de Janeiro, cercada pelas elevações da Mata Atlântica, lindíssimas, abraçando o mar. Cansei de passar férias na serra do Rio ou de Minas Gerais, em cenários incríveis. Aquilo ali, porém, era diferente. Uma paisagem seca, sólida, entremeada por lagos. Visão imponente que não cabia na minha grande-angular mental. Girar o corpo para completar o 360 se tornou um movimento involuntário. O Canadá tinha me emocionado.

Solidez e vegetação
SOLIDEZ E VEGETAÇÃO
Rochosas entre lagos
MONTANHAS ROCHOSAS ENTRE LAGOS, NO CANADÁ

Segue até hoje com sua cultura misturada de influências de toda parte, sua comida boa, seu povo gentil e sua geografia tão bonita quanto diversa. No entanto, quando me deparei com as Montanhas Rochosas, a emoção foi diferente. De supetão, o Canadá havia me mostrado uma coisa óbvia, até meio besta de se pensar (e de se escrever): a dimensão da natureza. Sabe quando você se dá conta de que é parte de uma coisa maior, bem maior, do que você? Pois é, eu sabia disso, claro, mas não me lembro de ter sentido isso tão concretamente até aquela manhã de agosto, na primeira vez no país.

Passado o impacto do primeiro instante, veio uma excitação de criança diante de novidade. Enquanto o trem serpenteava morro acima, eu gastava o dedo na câmera fotográfica, numa tentativa de absorver pelas lentes aquela grandiosidade. Buscava ângulos de um lado e do outro no vagão de vidro. Pedras muito grandes quase raspavam na janela. Até que chegou Jasper. Uma cidadezinha, que naquele dia lá trás me pareceu apenas uma rua.

Café e lojinhas
CAFÉ E LOJINHAS EM JASPER

Não podia me afastar muito da estação por causa do horário de embarcar de volta no trem. Estava viajando de Toronto a Vancouver, cortando o Canadá pelos trilhos. No alto das Rochosas, Jasper foi uma das paradas daquela impressionante viagem atravessando o país e suas muitas paisagens. Resolvi tomar um bom café para esquentar e depois explorar as lojinhas na rua principal, a Connaught Drive.

No embarque de volta ao The Canadian, trem da VIA Rail que faz o trajeto leste-oeste do país, as Montanhas Rochosas me acenaram ‘até logo’, como pano de fundo da estação. A moldura foi sumindo lá atrás, lentamente. No leve chacoalhar que embala uma jornada de trem, sedimentava aquela emoção em mim.

Eu tinha de voltar. Eu sabia que iria voltar. E voltei. Para Jasper, e para o Canadá, outras tantas vezes. E lá estava eu para descobrir como eram aquela cidade no alto das montanhas e o parque no meio das Rochosas.

‘ATÉ BREVE’

 

Charmosa Jasper e o parque nacional

Localizada na província de Alberta, Jasper é pequenina mesmo, com 3.560 habitantes, de acordo com dados do último censo nacional, realizado em 2011. Mantém um acolhedor centrinho, ponto de concentração de lojas e restaurantes, e serve de referência para explorar o parque nacional de mesmo nome, com lagos, cânions, cachoeiras, glaciares e rica fauna.

Maior das Rochosas, com 10.878 km² de área total, o Jasper National Park é Patrimônio da Humanidade declarado pela Unesco. Criado em 1907, é o parque de relevo mais acidentado da região. Do topo do Monte Whistler, a 2.277 m de altura, isso fica claro à visão. Um ondulado contorna o horizonte ao redor da estação do Jasper Tramway, bondinho que em 7 minutos sobe até lá.

Dizem que, em dias de tempo bom, é possível ver até 80 km no entorno. Eu visitei numa manhã nublada. Vencida a camada de nuvens, uma imensidão branca formava um novo chão, arrematado por um bordado franzido de montanhas. Uma delas é a mais alta das Rochosas: o Monte Robson, na vizinha província de British Columbia. Mesmo com a cobertura de nuvens, pude ver seu pico lá longe, a uma altura de 3.954 m. A visita terminou com uma parada na lanchonete, num coffee with a view.

As Montanhas Rochosas no Canadá englobam porções das duas províncias, Alberta e British Columbia. Percorrida no limite da divisa entre elas, uma rota cênica, de cerca de 235 km, faz a conexão entre Jasper e as cidades de Lake Louise e Banff. A Icefields Highway apresenta cachoeiras, picos e geleiras e liga dois parques nacionais, Jasper e Banff — veja opções de hotéis nas Montanhas Rochosas no Canadá.

Distante em torno de 100 km ao sul de Jasper, está o ponto alto desse caminho: Columbia Icefield, maior área de gelo ao sul do Alasca, com cerca de 325 km² e profundidade de até 365 m. Um centro de visitantes fornece informações para explorar a área, incluindo a ida até o pé do Glaciar Athabasca. Funciona de maio a outubro, assim como alguns outros serviços do Jasper National Park.

No mesmo período, funcionam o hotel e o restaurante próximos da Sunwapta Falls, por exemplo. Uma leve e curta caminhada na mata leva ao cânion, onde a cachoeira deságua. Visitei essa queda d’água em setembro, debaixo de chuva. Deu para ter uma ideia do lugar, a aproximadamente 55 km de Jasper. Com céu azul deve ser ainda melhor.

Nos meses quentes
PAISAGEM NOS MESES QUENTES

Algumas áreas do parque nacional não ficam disponíveis na temporada de neve. Outras dão lugar a esportes na neve, como esqui e snowshoeing. No inverno, segundo a Parks Canada, instituição governamental que protege os parques nacionais do país, a máxima fica em torno de 9,4 graus negativos. Já, durante o verão canadense, chega a registrar 22,5 graus (em julho). Além disso, a altitude influencia muito: a cada 300 metros que se sobe, pode-se esperar uma queda de 1,7 grau na temperatura ambiente.

O panorama e o estilo da viagem pelo Jasper National Park, portanto, mudam bastante conforme a estação. Campings costumam abrir do meio de maio ao início de setembro. O parque reúne perto de 1 mil quilômetros de trilhas para caminhadas e áreas delimitadas para acampamento (reservas pelo pccamping.ca).

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Nos meus deslocamentos de ônibus pelas estradas locais, observei pela janela o zanzar de motorhomes, para lá e para cá. ‘Que divertido deve ser isso’, me peguei pensando. ‘Meu filho iria adorar viajar num carro-casa desses.’ Mas internamente me soou mais como delírio do torpor com o visual. ‘Você? Não, acho que uma viagem de trailer já seria demais para alguém tão urbano…’

Dormir num lodge, acomodação no meio do parque, já foi um grande paradigma quebrado. Altamente recomendável, aliás. A experiência faz da natureza algo ainda mais palpável do que se hospedar na cidade e sair para passeios. Se estiver dirigindo, é bom checar a página do Jasper National Park no site da Parks Canada para ver os avisos de interrupção nas estradas por causa de construções durante a época de tempo quente.

Entre lagos, motos e alces

Os meses mais quentes são os mais indicados para aproveitar tudo o que a região oferece. Por isso, aproximadamente 2 milhões de pessoas visitam o parque a cada verão. Foi quando eu tive a sorte de cruzar com alces e veados à beira da estrada — demais a sensação de estar perto desses animais, tão simbólicos para o Canadá (agora falta o urso!). Mas não se empolgue, é importante lembrar da recomendação da Parks Canada de manter certa distância dos animais: pelo menos 100 m de ursos, lobos e pumas; e no mínimo 30 m de alces, ovelhas e cabras.

IMPRESSIONANTE VER UM ALCE TÃO PERTO

Ainda entrei num sidecar de uma Harley-Davidson para me jogar nas curvas do parque. O vento no rosto, em meio a todo aquele verde, aumenta a sensação de liberdade. É como se você fizesse parte do cenário.

No verão, também dá para observar com tranquilidade os lagos de tonalidades entre o azul turquesa e o verde esmeralda, que banham vales entre os montes de pico nevado. Nessa minha segunda ida a Jasper, atravessei o Maligne Lake, maior lago do parque, com 22 km de extensão. Barcos levam os visitantes até Spirit Island, ilhota de solo pedregoso, que dá um bonito contraste com a água verde-claro e as coníferas em perspectiva. Certeza de boas fotos.

Durante uma hora e meia de navegação, o tom esverdeado do lago serviu de base para enquadramentos com montanhas de topo branco. Esse passeio, a cerca de 50 km de Jasper, é realizado de maio a outubro. Desde a área de embarque, o visual já rende lindas imagens. É daquelas cenas que se veem em filmes ou cartões-postais.

Terminamos a tarde, com um chá no histórico Maligne Lake Chalet, entre petit fours e goles quentinhos. Gostei de encerrar a visita ao lago com um tea with a view, experiência bucólica disponível também nos meses de verão.

Lago Canada Montanhas Rochosas Maligne Lake Jasper Alberta - Nathalia Molina @ComoViaja (1)
TEA WITH A VIEW

Uma volta de caiaque ou de barco nos lagos de águas clarinhas das Rochosas é mesmo uma experiência marcante. Só de olhar já dá uma paz enorme. Na minha visita ao Fairmont Jasper Park Lodge, pertinho do centro da cidade, as cores do horizonte com canoas despojadamente dispostas formam um painel irretocável.

CANOAS E MONTANHAS NO HOTEL FAIRMONT

Hóspedes jantavam em mesinhas na varanda, enquanto outros assistiam ao entardecer sentados à margem do pequeno lago azul diante do hotel, o Beauvert Lake. Fiquei ali em pé por minutos. Foi difícil mesmo deixar para trás aquele céu que se pintou do laranja ao roxo para receber a noite.

JANTAR NA VARANDA DO HOTEL
AS CORES DO ANOITECER NO LAGO, NO PARQUE NACIONAL DE JASPER

 



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