ATUALIZADO EM 19 DE MARÇO DE 2019
Um museu que explica São Paulo, sua gente e sua gênese. E que também revela traços da formação do Brasil miscigenado do qual descendemos e fazemos parte. Na divisa entre os tradicionais bairros do Brás e da Mooca, o Museu da Imigração, antes conhecido como Memorial do Imigrante, carrega um pouco da origem de cada um de nós, na forma de fotografias, objetos e histórias, em um rico acervo digital.
Além do mergulho na história, o visitante pode fazer um passeio a bordo da maria-fumaça, que parte da plataforma ao lado do Museu da Imigração — detalhes no fim deste texto.
Dentro do museu, o conteúdo escrito nos painéis e nos folders está disponível em três idiomas (português, inglês e espanhol), fato raro em se tratando de instituições culturais brasileiras. E não estamos falando de informações triviais, mas de grandes explicações mesmo — só vimos algo parecido em nossa visita ao moderno Museu do Amanhã, no Rio.
Funciona no antigo prédio da Hospedaria de Imigrantes, primeira parada dos 2,5 milhões de estrangeiros e de outros brasileiros que chegaram a São Paulo entre 1887 e 1978. Foi onde muitos imigrantes italianos, portugueses e japoneses, entre outros, receberam sua certidão de desembarque no país. O museu do Estado de São Paulo mostra um vasto registro da imigração no Brasil.
De ascendência ibérica, Nathalia Molina conheceu o lugar em 1999, no tempo em que ele era chamado de Memorial do Imigrante. Da primeira visita, a carioca que tinha migrado para São Paulo um ano antes lembra que a exposição era bem simples, quase um daqueles trabalhos que os estudantes fazem para a escola. Mesmo assim ela gostou da visita porque se interessa por imigração no Brasil e no mundo de um modo geral. Na ocasião, ela também aproveitou para pesquisar no arquivo local (que ainda não era um acervo digital) a lista de imigrantes portugueses ou espanhóis que fossem parentes seus, vindos no início do século 20.
Nathalia ficou impressionada quando esteve lá pela segunda vez, já como Museu da Imigração. Havia três terminais de consulta para buscar o registro de imigrantes no Brasil. Os computadores ficam numa das salas laterais do prédio do museu. Dá para visitar na saída, assim como a plataforma da estação onde os viajantes desembarcavam na chegada à hospedaria.
Como é o Museu da Imigração de São Paulo
A estrutura atual em nada lembra o que Nathalia havia conhecido cerca de 20 anos antes. O espaço foi todo reformulado, o que o deixou como um dos melhores museus de São Paulo. O prédio e o jardim da entrada estão conservados, mas a principal transformação ocorreu lá dentro. A exposição está super bem montada, tanto pela disposição e pela explicação em cada área quanto pela interatividade, com bons recursos audiovisuais.
Desde 2011, o Museu da Imigração tem sua gestão sob a responsabilidade do Instituto de Preservação e Difusão da História do Café e da Imigração (Inci), que venceu a chamada pública organizada pela Secretaria de Estado da Cultura.
Bem, voltemos à visita.
Ao passar da bilheteria, você sai à esquerda em um grande jardim. A propósito, guarde um tempo para se sentar em um dos bancos e ficar só de bobeira olhando para o pátio da entrada, que possui 2 figueiras com mais de 50 anos. Visitamos o museu em um sábado de sol. Além de ter sido gostoso descansar debaixo da sombra das árvores, fizemos lindas fotos do prédio em contraste com o céu azul.
Se você for em época da anual Festa do Imigrante, tem a chance de conhecer tradições e comidas típicas de várias culturas que formaram São Paulo. Caso vá no restante do ano, a visita não é tão festiva, mas é recheada de história. Siga em direção ao edifício principal e suba às rampas que contornam o chafariz. A acesso fica no corredor central, à esquerda. A exposição ocupa o segundo andar.
O que ver no prédio do antigo Memorial do Imigrante
De cara, nos deparamos com uma caçamba de caminhão tombada com cerca de 20 mil tijolos, obra do artista plástico Nuno Ramos. Intitulada É Isto um Homem, é inspirada em livro homônimo e fala do processo de imigração a partir da ótica do trabalho e da diferença de línguas — cada tijolo carrega palavras em inglês, francês, tcheco, alemão, húngaro e iídiche, todas utilizadas em um trecho do livro.
À esquerda da escada tem início a exposição permanente. No total, o Museu da Imigração tem oito módulos numerados, indicados para serem vistos na ordem proposta. Eles abordam do movimento migratório no mundo desde os primórdios até chegar, efetivamente, à formação da cidade de São Paulo.
DIÁSPORAS
A primeira sala fala do homem como ser migratório por natureza, a partir de sua origem na África, a consequente expansão para a Europa e, daí, para outros cantos do planeta. Uma projeção e um painel luminoso mostravam como se deu esse processo que se confunde com a própria história da humanidade. Inicialmente, o equipamento estava com problema e a projeção travava. Procurei por um monitor do museu para falar a respeito. Super atencioso, ele pediu desculpa e disse que teria de reiniciar o programa, solicitando para que voltássemos dentro de alguns minutos. Seguimos o pedido dele e retornamos para ver o vídeo mais tarde. Na sala escura, o grande painel iluminado mostrando a movimentação do homem primitivo pelos continentes instigou o Joaquim.
IMIGRAÇÃO NO BRASIL
Sala com monitores de vídeo e fones de ouvido para acompanhar uma breve aula sobre os ciclos de imigração para o Brasil. Aqui fala-se das contribuições (expressões da língua, usos e costumes) dadas por povos que desembarcaram em nosso país desde a chegada dos portugueses, os primeiros imigrantes.
Quando criança, eu gostava desse tipo de apresentação, até hoje acho que se assimila mais e melhor datas e nomes dessa forma do que quando se lê linhas e mais linhas (e olha que eu adoro ler). Joaquim se sentou e ouviu atentamente as explicações. Parece que ele também gosta de teleaula, porque já havia parado para ver algo semelhante durante nossa visita ao Museu da República, no Rio, no Palácio do Catete.
AS HOSPEDARIAS E O CONTEXTO DAS MIGRAÇÕES
Antes de tomar um navio em busca de uma vida nova, era preciso se deslocar por terra até um porto, numa jornada tão ou mais complicada quanto a própria travessia. Nesse processo havia também hospedarias que abrigavam os que estavam de saída. Esse espaço do museu espaço fala de cinco locais de chegada e de partida de imigrantes pelo mundo: Ellis Island (EUA), Bremen (Alemanha), Gênova (Itália), Buenos Aires (Argentina) e Kobe (Japão). Um painel mostra que, de 1820 a 1914, cerca de 50 milhões de pessoas migraram para o continente americano, para países como EUA, Canadá, Argentina e Brasil.
Nos impressionou ver as fotos de crianças e de mulheres à espera de um navio que os levasse para longe de cidades devastadas pela guerra. Não há como ver cenas como essas e não lembrar das imagens dos milhões de refugiados que buscaram alcançar a Europa há alguns anos.
A instalação As Viagens reproduz o convés de um navio, igual ao de tantos que por aqui aportaram. Vemos a vida de imigrantes japoneses, italianos e libaneses passar em fotos de época. Nas paredes de madeira, inscrições em italiano como as que continham os documentos e as passagens de muitos imigrantes. Uma delas informa: 3ª classe, categoria inferior onde a maioria deles viajava.
HOSPEDARIA DO BRÁS
Assim que um navio chegava ao porto de Santos, boa parte dos imigrantes era levada de trem diretamente para a hospedaria que funciona no Brás, já que São Paulo possuía uma malha ferroviária rumo às cidades do interior, destino final de muitos estrangeiros.
Essa é uma das salas mais legais, porque contém inúmeros objetos de época utilizados nas hospedarias ou que pertenciam aos próprios imigrantes. Joaquim ficou assustado com o tamanho das ampolas e das agulhas de injeção com que eram dadas vacinas nos viajantes.
Nathalia mostrou para o nosso filho o ferramental e a cadeira de dentista iguaizinhos aos que o avó dela, o velho Molinão, mantinha em seu consultório. Nessa mesma parte do museu havia uma cômoda cheia de gavetinhas que também fez a Nath se lembrar da infância —que diabos o avô dela guardava em espaços tão minúsculos como aqueles?
Mais adiante, encontramos uma parede formada por gavetas. Dentro delas havia cartas trocadas entre imigrantes e parentes que ficaram em seus países de origem. Eram conhecidas como Cartas de Chamadas, documentos que facilitavam a entrada de novos imigrantes, cujos os familiares já haviam se estabelecido por aqui. Experimente abrir uma gaveta para ler. É tocante.
Eu tenho uma dessas que pertencia ao meu avô, António Victorino. Foi redigida em nome da irmã, Mariana, que assim como ele não sabia escrever. A carta falava em dificuldades financeiras e pedia autorização para que ela pudesse entrar no Brasil. Mariana foi atendida, e viveu até a morte em São Vicente, no litoral paulista.
Pelo Brás não passaram apenas viajantes estrangeiros. A hospedaria teve papel importante no processo de migração interna, ocorrido no Brasil em função de ciclos econômicos — a instituição paulistana abrigou muitos trabalhadores fugindo da seca no sertão nordestino, por exemplo. Além de documentos históricos, mesas que simbolizam o refeitório da hospedaria são compostas por telas onde são projetadas imagens que alimentam nosso imaginário a partir do cotidiano destes migrantes.
A maior sala de toda a exposição tem ainda uma reprodução dos dormitórios, com beliches posicionados lado a lado e nichos onde são exibidos depoimentos de imigrantes que narram o processo de passagem pela hospedaria, misto de acolhimento e de incerteza.
Ao redor, estantes guardam objetos preciosos, como canecas de metal trazidas de um navio holandês bem como um acordeão de origem italiana — o museu destaca a música como importante instrumento de conexão entre os imigrantes com seus países de origem, além da descontração promovida por ela dentro da hospedaria.
CAMPO E CIDADE
Filme de sete minutos que narra como se deu a formação de São Paulo pelo trabalho, responsável por atrair mão de obra para as lavouras de café, especialmente depois do fim da escravidão (do lado de fora há, inclusive, uma velha máquina de moer grãos).
Já no teto desta sala há uma Carta de Chamada. Um imigrante escreveu ao irmão detalhando cuidados a serem tomados na travessia de Portugal para o Brasil. Lê-se num dos trechos: “Vinde prevenidos com limões e açúcar para poderem beber melhor a água.”
SÃO PAULO COSMOPOLITA
Uma sala grandiosa como a metrópole. Duas paredes exibem imagens com ícones da maior cidade do Brasil, enquanto informações com números superlativos correm acima delas. Tudo ao mesmo tempo, bem ao ritmo de São Paulo. A cidade com não mais do que 24 mil habitantes até 1870 hoje guarda o mundo. A expansão econômica trouxe o crescimento desordenado que sabemos. Mas trouxe também profundas influências de seus novos moradores. É um falar, um comer, um rezar, cada qual a seu modo. Todos compartilhando e vivendo diferentes possibilidades em uma só cidade.
Joaquim ficou de olho nas fotos da São Paulo de antigamente, a cidade que abraçou os bisavós ítalo-lusitanos e a mãe, nascida no Rio. Quem gosta de ver imagens em preto e branco do tempo da garoa, saiba que essa aqui é a sala.
BOM RETIRO, MOOCA, SANTO AMARO E BRÁS
Em uma de suas últimas salas, o Museu da Imigração registra traços marcantes de quatro bairros de São Paulo. Nascido na Mooca, muito do que está exposto me soa sempre familiar: a paróquia de São Rafael, onde meus pais se casaram e fui batizado, a tradicional Festa de San Gennaro e o estádio da Rua Javari, do hoje cult Juventus, clube de futebol fundado na mesma data em que eu nasci, um 20 de abril, e que teve meu avó como um dos primeiros sócios e jogadores de basquete (bola ao cesto, como ele gostava de dizer). Foi mais ou menos dessa maneira que expliquei o valor afetivo dessa sala para o meu filho, ao som de Samba do Arnesto, clássico do samba paulista cantado em um dialeto consagrado por Adoniran Barbosa.
Mas a Mooca não foi só formada pelos italianos, que também dividiram território com os judeus do Bom Retiro, onde hoje os coreanos também figuram aos montes bem como lá pelos lados do Brás, morada de tantos bolivianos e haitianos. E o que dizer de Santo Amaro, quase uma cidade dentro da própria cidade, de ligações estreitas com a cultura alemã, celebrada em eventos como a Brooklin Fest?
IMIGRAÇÃO HOJE
Quem são os novos imigrantes? De onde chegam? Por que escolheram São Paulo? As respostas estão em depoimentos gravados por gente que vem da América Latina, da África e do extremo Oriente. Para assistir, é preciso deslizar os rostos fragmentados até juntar as partes correspondentes e o vídeo começar — adivinhe se o Joaquim, o rei do touch, não curtiu ver depoimentos e mais depoimentos?
A qualquer momento da exposição, percorra o corredor formado por uma parede toda composta por sobrenomes de imigrantes italianos, portugueses e de outras nacionalidades, entalhados em madeira. É uma busca meio insana, a vista embaralha, achamos a família daquele amigo, do vizinho, da menina da 4ª série que sentava ao nosso lado. Nathalia, Joaquim e eu gastamos um bom tempo em busca dos Molina e dos Victorino. É preciso dizer que não achamos.
Da última vez que fomos ao museu, em novembro de 2018, Joaquim e a avó, Sonia, toparam fazer o passeio de maria-fumaça. Eles embarcaram na plataforma da estação que fica no Museu da Imigração. A experiência durou 25 minutos (R$ 25), tempo em que a composição de 1928 percorreu as estações Mooca e Brás — há passeios que são realizados em outro vagão, de 1950 (R$ 20).
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VALE SABER
Endereço: Rua Visconde de Parnaíba, 1.316, Mooca, São Paulo
Transporte: A estação Bresser-Mooca do metrô (linha vermelha) fica a 1.500 metros de distância. Infelizmente, não aconselhamos andar pela Rua Visconde de Parnaíba, que margeia toda a linha do trem, mesmo durante a semana quando há mais movimento na rua. Pegue um táxi na porta da estação, mais barato e seguro. Se for de carro como nós, estacione em frente ao museu, que fica no trecho sem saída da rua
Funcionamento: De terça a sábado, das 9 às 17 horas (domingo abre 1 hora mais tarde)
Preço: R$ 10 — estudantes e idosos acima de 60 anos, R$ 5. Aos sábados, a entrada é gratuita para todos. Crianças até 5 anos, professores da rede pública, taxistas, servidores estaduais, portadores de necessidades especiais não pagam ingresso
Alimentação: A cafeteria Cantina é uma graça, com cardápio enxuto e focado nas variações da bebida (ristreto, macchiato, latte…) e acompanhamento como bolos, cookies, sanduíches e tortas do dia — servem brunch aos sábados e domingos. Possui uma área com quatro mesas e uma varanda de frente para o jardim.
Compras: A lojinha que funciona no térreo vende kits infantis com quebra-cabeça, ioiô e livro. Há ainda malas vintage, guarda-chuva e as tradicionais camisetas e canecas com o logotipo do museu
Site: museudaimigracao.org.br