Em 1961, Karl Peglau criou um par de bonequinhos para ajudar os pedestres a atravessarem a rua em segurança. O objetivo era diminuir o número de acidentes na antiga Alemanha Oriental. Para o psicólogo e especialista em trânsito, a imagem do farol deveria despertar nos cidadãos muito mais que um sinal de alerta, especialmente em crianças e idosos. Assim criou o Ampelmänn, boneco do semáforo.
Por isso mesmo a suavidade do traço — em contraposição às linhas duras e retas dos símbolos similares mundo afora — dariam à criação dele um toque, digamos, mais humano. O que Peglau não imaginava era que as figuras desenhadas por ele nas cores verde e vermelha virariam ícones de Berlim Oriental.
No início, a ideia do bonequinho levar um chapéu na cabeça foi rejeitada por Peglau, que o considerava um acessório um tanto burguês. Ele repensou seu conceito quando viu o então secretário do partido socialista, Erich Honecker, aparecer na televisão usando uma palheta para se proteger do sol. Nascia um mito naquele momento.
Até hoje, os Ampelmännchen (diminutivo de Ampelmann; numa tradução livre, homenzinhos do farol), fazem as pessoas avançar nos cruzamentos de ruas e avenidas da capital alemã e/ou parar diante de vitrines cheias de produtos com suas estampas.
Durante nossa passagem por Berlim — 1ª parada na nossa viagem em família à Alemanha —, os bonequinhos conquistaram nosso filho, Joaquim. Se dependesse dele, teríamos levado tudo o que havia disponível na loja da Ampelmann na Gendarmenmarkt, onde há objetos para casa, roupas, acessórios e o que mais você julgar bacana ser identificado por um dos poucos símbolos da Alemanha comunista que resistiu após a queda do Muro de Berlim, em 1989. A marca vende em torno de 600 produtos diferentes com os bonequinhos.
Vitória do proletariado
Falar em resistência não é força de expressão. Entre 1990 e 1997, os semáforos do lado comunista foram sendo substituídos pelo padrão de luzes de tráfego utilizadas do lado capitalista. Com o objetivo de manter vivo algum traço de identidade dos alemães orientais, em meio ao novo país que surgia com a reunificação, o designer industrial Markus Heckhausen começou a recuperar os velhos faróis de pedestres que estavam sendo descartados.
A causa defendida por ele passou a receber apoio de artistas, políticos e dos cidadãos que se sentiam representadas por aquelas figurinhas do farol. Um comitê sobre o assunto foi fundado. Protestos, realizados. A pressão popular surtiu efeito e outras partes do leste alemão voltaram a adotar os Ampelmännchen, assim como o antigo lado ocidental também cedeu à simpatia da dupla.
A história do Ampelmann virou livro, fruto da parceria entre Heckhausen e Karl Peglau. O sucesso da publicação estimulou o designer a lançar outros produtos que tivessem os bonequinhos como tema. Como empresa, a Ampelmann surgiu em 1997, e hoje conta com 7 lojas próprias espalhadas pela capital (os produtos também podem ser encontrados em pontos turísticos da cidade). A maior variedade de mercadorias se encontra na loja principal, localizada na Unter den Linden, principal avenida do lado oriental da cidade, que começa no Portão de Brandemburgo.
Soma ainda café e uma bicicleta que serve café. E uma franquia da marca foi aberta em 2010 na cidade de Tóquio, no Japão. Incrível imaginar que um ícone do comunismo rendesse tantos dividendos nos dias de hoje, não? O mesmo ocorre com o Trabant, carro símbolo da Alemanha Oriental, que também virou cult.
Quando a conheci, Nathalia tinha uma abridor de garrafas em alumínio, no formato do boneco verde, lembrança trazida da viagem feita à Alemanha em 2001. Já a despesa durante o tour em família foi bem maior: compramos camisetas, capa de celular, um par de esponjas de banho (a vermelha, tadinha, hoje em dia está sem a cabeça, de tanto ser usada), um guarda chuva do qual Joaquim se orgulha muito (quando chove em São Paulo, evidentemente). Ah, ainda temos da viagem da Nathalia em 2001 dois imãs, o verde e o vermelho, que me vigiam neste exato momento em que decido não mais avançar com este texto. Parei!