ATUALIZADO EM 20 DE MARÇO DE 2019
Um reluzente McLaren MP 12 estacionado em frente à entrada do Bayerischer Hof é minha primeira visão quando chego a um dos maiores e mais luxuosos hotéis de Munique, na Alemanha. Pago a corrida ao taxista, pego os pertences pessoais e uma pergunta martela minha cabeça: que tipo de pessoa teria o desplante de, no país que inventou o automóvel, pilotar um modelo de carro inglês? Inglês?!?! Até James Bond abriu mão do seu tradicional Aston Martin um dia para fugir de bandidos à bordo de um BMW!
Eu a matutar e o McLaren lá, parado, azul e inglês na frente do hotel que bem poderia servir de cenário para qualquer um dos filmes do 007. Tempos depois descobri que três atores que interpretaram o agente secreto mais famoso do cinema já haviam passado seus dias naquelas imponentes instalações: os ‘sirs’ Sean Connery e Roger Moore e ainda Daniel Craig. Eles fazem parte de uma extensa de lista de personalidades que já se hospedaram no Bayerischer Hof em 175 anos de existência do empreendimento. Leia nosso Guia Munique: dicas de viagem à cidade no sul da Alemanha.
Foi nesse cenário rico em histórias que Nathalia, Joaquim e eu, ilustres desconhecidos, ficamos durante nossa passagem por Munique, segunda etapa da viagem à Alemanha em família. Desconhecidos como tantos outros hóspedes, mas nem por isso desimportantes.
Como um autêntico cinco-estrelas, o requinte do Bayerischer Hof está evidente em cada instalação do labiríntico edifício, em cada serviço exclusivo oferecido pelo empreendimento integrante de duas luxuosas associações de hotelaria, The Leading Hotels of the World e Preferred Hotels & Resorts.
Nos quartos, design assinado
Acomodações são 340, das quais 65 são suítes com espaço interno que alterna entre os 25 m² de um single room até 130 m² da suíte panorâmica. Se combinadas diferentes acomodações, o resultado pode chegar a incríveis 584 m², o que resulta em uma das maiores suítes de toda a Europa, com capacidade para até 17 pessoas.
Éramos três e ficamos em um quarto desenhado por Siegward Graf Pilati (outros três arquitetos se dividem nas assinaturas das demais acomodações). Uma ótima cama king size, uma mesa de trabalho e uma pequena sala de estar compunham o ambiente. Para o Quim, uma pequena cama foi armada aos pés da nossa, de frente para a TV (não poderia haver melhor lugar, mesmo ele não entendendo nada do alemão dito nos desenhos animados que pedia para assistir antes de dormir).
Nosso filho curtiu também a ideia de o quarto ter um closet, que virou uma espécie de playground informal dos bonecos da Turma da Mônica — levados para lhe fazer companhia durante os 25 dias longe de casa. Quim achou igualmente divertido haver um pequeno rádio instalado na parede do banheiro. Imagine quantos banhos de banheira ele não quis tomar ouvindo música?
Ele também adorou a ideia de poder sair do chuveiro e não sentir frio ao tocar o piso aquecido. Se bem que havia pantufas do tamanho de seus pés à espera dele na chegada ao quarto, sem falar no roupão infantil com o qual nosso pequeno lord se vestia ao sair do banho de banheira diariamente.
Nobre história
A fidalguia é inerente à história do Bayerischer Hof, escrita a partir de um desejo de Ludwig I. Em 1839, o rei da Baviera ordenou que fosse erguido um hotel de 1ª classe com condições de receber visitantes estrangeiros. Empresário do ramo de locomotivas, Joseph Anton von Maffei encabeçou a construção, que teve projeto do arquiteto Friedrich von Gärtner e levou dois anos para ser concluído. No dia 15 de outubro de 1841, o Bayerischer Hof abriu suas portas no coração do centro antigo de Munique, tendo Maffei como arrendatário até sua morte.
Em 1897, Hermann Volkhardt, um jovem confeiteiro, pagou perto de 3 milhões de marcos alemães e assumiu o controle do hotel, dando início à sua expansão e reconstrução, nem sempre fruto de sua vontade. Apesar do bombadeio sobre Munique na madrugada de 25 de abril de 1944, uma parede de espelhos do Bayerischer Hof resistiu de pé. Com Falk, neto de Herrmann Volkhardt no comando, a reconstrução após a Segunda Guerra começou a partir da única estrutura que havia ficado intacta.
Ao mesmo tempo memorial e cicatriz, os espelhos estão lá a decorar o Falk’s Bar, que combina em doses certas o estilo barroco bávaro de um teto todo trabalhado com notas de modernidade dadas pela iluminação em tom de azul do convidativo balcão, onde é possível relaxar ao sabor de um Skyfall, uma das criações sugeridas na carta de coquetéis.
Nathalia recomenda um drink no Blue Spa, no terraço, com a visão do sol caindo atrás dos telhados de Munique. Joaquim e eu estávamos na piscina quando ela surgiu de roupão, uma taça de brut na mão e um sorriso discreto nos lábios. Depois, foi apreciar a vista de Munique da varanda ao lado. Eu, paparazzi nada vocacional, cliquei este instante que poderia ter a legenda ‘é chato ser chique’.
Nossa estada no Bayerischer Hof incluía começar o dia com um ótimo café da manhã. Aqui prefiro classificá-lo como pequeno almoço, essa expressão genialmente consagrada em Portugal para definir a primeira refeição, o que naquele caso fazia todo sentido. Dispenso novas linhas para não brigar com as fotos que mostram o repertório do buffet. Mas é preciso mencionar que de espumante a salmão, passando por diversos tipos de pães, incluindo as deliciosas especialidades alemãs, tudo era uma tentação para os que, assim como nós, prezam um generoso café da manhã.
Quando estavam disponíveis, nos sentávamos nas mesas do lado de fora, de onde Joaquim conseguia ouvir o espetáculo musical da torre da prefeitura de Munique, na Marienplatz. Controle-se para não perder a manhã por ali porque o ambiente é tentador.
Essa vocação para o dolce far niente da cidade apelidada de “a mais ao norte da Itália” fica evidenciada em terraços como o do Dachgarten (onde o café é servido) ou no andar de cima, no Blue Spa Terrasse, cuja a maior área de sua varanda é generosamente brindada com a visão das torres da Frauenkirche, igreja ícone de Munique. Os fins de tarde nos últimos andares do hotel podem ficar ainda melhores se você for como Nath, Joaquim e eu, que nos deliciamos na piscina. Recomendamos flutuar e admirar a variação do azul do céu, do claro ao escuro.
Gastronomia variada e estrelada
À medida em que a noite se aproxima, os trajes mudam na região do spa. O imaculado branco dos roupões cede lugar ao estilo casual para homens e mulheres que sobem ao sétimo andar e ensaiam os primeiros passos de um roteiro de diversão que vai de cima a baixo, sem que essa descida represente queda na empolgação. Porque é nas entranhas do Bayerischer Hof que estão alguns de seus tesouros. É possível desfrutar de entretenimento sem colocar os pés fora do hotel, seja nas estofadíssimas 38 poltronas do cinema que funciona no mezanino ou assistindo a um show de jazz ou música latina no nightclub do subsolo.
Já a gastronomia reserva do melhor da tradição bávara oferecida pelo rústico Palais Keller ao renomado Atelier, dono de 3 estrelas do prestigiado Guia Michelin e com cozinha gourmet criativa sob as ordens de Jan Hartwig. Brasserie de cardápio que combina pratos clássicos com receitas contemporâneas, o Garden apresenta o filé de linguado com espinafre e batatas salpicadas de salsa como uma de suas especialidades. É de salivar, convenhamos.
Presente em hotéis do Oriente Médio, da Europa e dos Estados Unidos, o restaurante Trader Vic’s tem inspiração polinésia. Das panelas comandadas por Tahsin Pehlevan saem especialidades cheias de picância e cor. Fazem parte da carta de coquetéis da casa o tradicional Bahia No, mistura de creme de coco com suco de abacaxi (bom para quem não curte álcool) e o Menehune Juice, que combina rum com amêndoas, em um copo simpaticamente ornamentado por uma miniatura de um menehune, espécie de anão que vive escondido nas ilhas havaianas, de acordo com a lenda local.
Dois desses bonequinhos de borracha vieram da Alemanha para o Brasil e por aqui ganharam o nome de ‘bundinhas de fora’, dada a escassez de suas vestes. Viraram personagens das brincadeiras que Joaquim organiza com Lego e Playmobil aqui em casa.
Frequentado por personalidades e moradores
O Bayerischer Hof dispõe dos serviços típicos de um cinco-estrelas de modo que cada hóspede sinta-se em casa mesmo estando longe dela. Foi esse conceito que permitiu ao hotel armar uma cozinha dentro da suíte onde se hospedou o tenor italiano Luciano Pavarotti, famoso pelo hábito de preparar sua própria pasta de madrugada.
Durante nossa estada, questões corriqueiras de hospedagem foram resolvidas com prestatividade e rapidez. O que não significa dizer que o hotel nunca tenha negado algum pedido considerado extravagante. Sempre que se apresentava em Munique, Michael Jackson ficava no Bayerischer Hof. Do livro de visitas consta anexada uma reportagem que narra a passagem do cantor pelo hotel, em julho de 1997. Com suítes reservadas em nome de Sr. King, o rei do pop se hospedou na companhia da então mulher, Debbie Rowe, e do filho recém-nascido do casal, Prince Michael. Foram feitas poucas exigências, como um umidificador no quarto, flores, 24 latas de refrigerante sabor laranja e queijo suíço.
Ainda segundo a reportagem da época, o isolamento do cantor era garantido pela presença permanente de um guarda-costas na porta da suíte e de outros seguranças particulares nos principais acessos ao Bayerischer Hof. Questionada se poderia proibir a entrada de fãs do cantor no hotel, a gerência respondeu educadamente que não. Maneira encontrada para garantir a liberdade dos demais hóspedes, sem que o hotel se transformasse em um bunker.
O episódio não abalou a relação com Michael Jackson, que voltou à cidade e ao Bayerischer Hof outras vezes. Essa é razão para o surgimento de um memorial informal para o astro pop em frente ao hotel logo após a morte do cantor, em 2009. Aos pés da estátua que homenageia outro músico, o compositor renascentista Orlando di Lasso, fotos, flores, mensagens e velas deixadas pelos fãs transformaram um pedaço da Promenadeplatz em ponto de peregrinação e culto à memória do astro pop desde então.
Em 1907, Sigmund Freud e Carl Jung se reuniram por 13 horas para discutir psicanálise em um dos salões art déco do Bayerischer Hof. Foi também no hotel que o clarinetista Benny Goodman desfilou todo o seu swing em uma apresentação histórica, em 1970. E ainda onde, seis anos mais tarde, o boxeador Mohamed Ali se exercitou diante de fãs enquanto se preparava para um combate no Estádio Olímpico. Nos dias atuais, quando não estão em campo, as estrelas do Bayern são vistas almoçando ou jantando por lá.
Com salões e espaços que abrigam de pequenos a grandes encontros, a rotina de eventos do Bayerischer Hof se mistura ao entra e sai dos turistas. Em um intervalo de 24 horas, testemunhamos a movimentação provocada pela cerimônia de entrega de uma importante premiação científica e, na noite seguinte, o agito provocado pela formatura de uma escola de dança da cidade, cujos alunos posavam para as fotos no lobby, vestidos em trajes de época. Retrato de uma realeza contemporânea que habita o gigante de cimento e luxo da Promenadeplatz, um patrimônio de Munique.